A CERÂMICA NO BONSAI

A CERÂMICA NO BONSAI – por Sergio Onodera

O ceramista, como todo grande artesão, é um exímio admirador da Natureza. Busca, pela sutileza de suas peças, reproduzir o mundo ao seu redor, de modo a adaptá-lo aos ambientes humanos. Naturalmente, é um sonhador que, nos delírios de suas criações, funde suas habilidades manuais à sua capacidade de observação e, a partir daí, cria os mais belos exemplares. O vaso de Bonsai nada mais é do que o fruto do amor de um indivíduo pelo mundo que o cerca, aliado ao incansável desejo de retratá-lo com o mais profundo detalhamento. É a fusão entre a beleza das paisagens e a personalidade do artista.

O CERAMISTA

IMG_1846De uma miscelânea cultural e de uma perene fonte de criatividade, surgiu a marca Onodera Bonsai Pots.

Nascido em São Paulo, em 1967, Sergio Onodera apresenta a essência do povo brasileiro em sua árvore genealógica: filho de um imigrante japonês e de uma neta de italianos, viveu durante sua juventude em um ambiente permeado pelas misturas culturais que tornaram possível a consolidação de seu estilo artístico. É a partir das milenares técnicas japonesas, aliadas ao colorido espírito brasileiro, que Sergio Onodera cria seus belos exemplares.

Inicialmente um adorador da arte do Bonsai, aventurou-se pelo mundo da cerâmica ao perceber que, com o aumento no número de suas plantas, precisaria de uma grande quantidade de vasos.  Sob a tutela do ceramista brasileiro Paulo Meirelles, e com Shugo Izumi como grande inspiração, Sergio Onodera passou a se desenvolver como ceramista. Aprendeu a arte das queimas em alta temperatura, de modo a priorizar as relações harmoniosas entre peça e árvore. Misturou, ao clássico estilo nipônico, a vivacidade da natureza brasileira, com cores mescladas e chamativas que remetem à natureza tropical do país sul-americano.

O VASO

Na cerâmica japonesa, o vaso é a representação humana da natureza que busca, por meio da escultura e das cores, reconstruir um cenário. Não só pela aparência, mas também pela textura e constituição, o vaso de Bonsai é, para o ceramista, a tentativa mais próxima de retratar o ambiente natural da planta. Na tradição oriental, na qual o caráter secular e hereditário é altamente valorizado, o vaso deve oferecer resistência e longevidade à árvore. Dessa forma, a obra deve não apenas ser agradável ao olhar, mas também ser extremamente eficiente, de modo a impedir o apodrecimento das raízes e promover o saudável desenvolvimento do Bonsai.

Ademais, é necessário lembrar que o Bonsai é o conjunto da árvore e do vaso. Dessa forma, deve haver uma harmonia entre as duas partes, tanto em relação às cores, como em relação às formas e dimensões. Como em um quadro, no qual a moldura lhe serve como complemento e fator de equilíbrio, o vaso é essencial para a construção de um belo Bonsai. No caso de espécies tropicais, por exemplo, muitas vezes floridas, vasos com cores mais vibrantes garantem uma bela combinação, algo que nem sempre é possível com árvores de climas temperados.

A própria textura da argila e sua porosidade influenciam no desenvolvimento da planta. Peças com o interior esmaltado, por exemplo, não devem ser utilizadas como base para um Bonsai, visto que a camada esmaltada promove uma impermeabilização indesejável que impossibilitará o desenvolvimento da árvore. O trabalho do ceramista, portanto, não é apenas o de um simples artesão: requer amplo conhecimento e estudo, a fim de garantir a sobrevivência de um ser vivo.

Alguns dos vasos confeccionados por Sergio Onodera

 

QUEIMA DE ALTA E QUEIMA DE BAIXA

Ao se tratar dos processos de confecção das peças cerâmicas, é possível dividir as queimas a partir de suas temperaturas. Queimas abaixo de 1000°C são chamadas de “Baixa”. No intervalo de 1100°C e 1190°C, por outro lado, são chamadas de “Média”. Já a partir de 1200°C, são reconhecidas como processos de “Alta”.

No universo dos vasos de Bonsai, as queimas de “alta” são as mais amplamente difundidas pelos ceramistas, devido à alta resistência que proporcionam às peças. A argila, submetida aos procedimentos acima de 1200°C, sofrem um fenômeno conhecido como sinterização, isto é, a máxima perda de água do material. Dessa forma, o vaso de Bonsai tem sua constituição física semelhante à das rochas naturais de encostas e montanhas que proporcionam uma retenção de umidade ideal  para o desenvolvimento saudável para as raízes das plantas.

Queimas de “baixa”, por outro lado, são mais recomendadas para a confecção de peças decorativas com esmaltes em cores fortes e vibrantes. Porém os vasos de Bonsai queimados em “baixa” são menos resistentes, acabam por reter muita água e com o tempo perdem o brilho do esmalte e tendem a trincar com o desenvolvimento das raízes.

Para o ceramista, todavia, trabalhar com queimas de “baixa” pode acarretar em problemas de saúde se medidas de segurança não forem adotadas. Isso se dá, pois, para que a esmaltação das peças seja efetiva, devem ser utilizados fundentes cuja base química remete a metais pesados como o Chumbo. Já nos procedimentos de “alta”, as elevadas temperaturas permitem a utilização de compostos minerais não tóxicos, como o Feldspato e a Calcita.

A CONSTRUÇÃO

IMG_1854 O processo de confecção de uma peça cerâmica é demorado e exige extenso domínio técnico. Inicialmente, a argila deve ser “acordada”, com movimentos semelhantes ao utilizado para uniformizar uma massa de pão, para que seja garantida a sua elasticidade. A partir desse material, o vaso é construído, seja no torno ou em moldes. É necessário ressaltar que, mesmo que apresentem algumas diferenças, ambos os processos devem ser igualmente valorizados e livremente utilizados pelo ceramista.

O processo manual no torno, por um lado, garante à peça uma singularidade, isto é, um modelo feito pode intencionalmente não ser repetido pelo mesmo artesão. Além disso, por não tratar com medidas pré-estabelecidas, a peça torna-se adaptável aos desejos do ceramista durante a confecção, podendo ser ampliada ou reduzida com facilidade. O processo por moldes, por outro lado, repete um modelo já produzido, de modo a valorizar a pureza da forma e sua perfeição. Em questão de acabamentos, entretanto, é levemente mais limitado uma vez quer as linhas já estão pré definidas pelo molde, o que não lhe tira o valor. Ambos os exemplares ressaltam a personalidade do artista que lhes confeccionou, suas técnicas e suas preferências.

Após ser construído, o exemplar permanece dois dias na sombra para que a consistência desejada, conhecida como “ponto de couro”, seja atingida. Passado esse período, o ceramista inicia a confecção dos acabamentos e, a partir de uma solução de argila diluída, utilizada como cola e conhecida como “barbotina”, torna-se possível fixar, por exemplo, os pés de apoio ao vaso. Finalizado o processo, o exemplar é posto em um saco plástico por uma semana, a fim de que as umidades sejam igualadas.

A peça é retirada do plástico e colocada para secar, na sombra, com a base voltada para cima, para que as bordas não sequem antes das outras partes. Após uma semana, a obra encontra-se em um estado conhecido como “ponto de osso”, aparentemente sem umidade. O vaso, entretanto, trinca com facilidade e a argila, se submetida aos processos corretos, ainda pode ser reutilizada (processo de reciclagem).

Já no “ponto de osso”, o vaso é submetido à sua primeira queima, de apenas 800°C, conhecida como “queima de biscoito”. No caso da cerâmica Onodera, o forno mais utilizado é o elétrico, que garante maior estabilidade ao processo. Existem, todavia, outros tipos de equipamentos, como os fornos à lenha ou a gás, além dos procedimentos de Raku, que garantem à peça tonalidades únicas e características.

A queima dura em torno de dez horas consecutivas, seguindo os patamares de variação de temperatura estabelecidos pelo ceramista. Em seguida, o forno permanece fechado e desligado por mais aproximadamente vinte horas, de modo a permitir que as peças esfriem. Passado esse período, os vasos são retirados e podem ser considerados, definitivamente, peças cerâmicas, ainda de baixa resistência. Enfim, o processo de esmaltação é iniciado.

Para vasos de Bonsai, a fim de garantir o ambiente propício ao desenvolvimento da planta, a esmaltação ocorre, somente, nas porções exteriores. A coloração da peça, como já foi dito nesse texto, deve, em conjunto com a árvore, proporcionar a harmonia do Bonsai. Dessa forma, a maneira como o ceramista esmaltará seus vasos depende de diversos fatores, quais sejam a espécie da planta, a tonalidade da argila e a finalidade do vaso.

Ao utilizar argilas mais escuras, a natural cor da matéria-prima permite que o ceramista não dependa da esmaltação. Em argilas de tonalidade mais clara, todavia, a adição de novas cores é muito bem vinda, haja vista a importância visual da peça na construção do Bonsai. Ademais, a fim de reforçar a beleza, o ceramista utiliza-se da combinação de óxidos e fundentes que, após a queima final o vaso, realçam o brilho e a cor do esmalte.

Em seguida, a peça é levada a um novo processo, a queima de “alta”. Já no início, o aumento de temperatura varia de 80°C a 100°C por hora até que sejam atingidos os 1230°C. Nesse patamar, ocorre o momento de melhor fundência do esmalte, o que torna necessário, ao ceramista, manter o forno a essa temperatura durante um período que varia de 15 a 45 minutos. Dessa forma, a peça apresentará uma superfície mais fina e uniforme.

Finalizado o tempo de queima, o forno é desligado e permanece fechado por aproximadamente vinte horas, para que os vasos esfriem. Após esse período, o ceramista retira as peças e as analisa, em busca de rachaduras e imperfeições. Depois de feitos alguns testes visuais, a cerâmica torna-se, oficialmente, um vaso de Bonsai.

RAKU

O Raku é, assim como o forno a lenha, a gás, ou elétrico, um dos meios utilizados por ceramistas para forjar suas obras. Esse método em específico, entretanto, proporciona um fator a mais: a possibilidade de vivenciar a transformação da peça. Diferentemente das queimas tradicionais, o Raku apresenta um caráter cerimonial muito mais fortalecido, devido ao deslumbramento proporcionado.

Por se tratar de um processo mais rápido, o Raku é amplamente utilizado como um método demonstrativo e cerimonial. É uma técnica agressiva, que demanda pleno domínio sobre o fogo por parte do ceramista. Dessa forma, é muitas vezes retratada como um ritual de integração entre o indivíduo e a terra.

Já do ponto de vista da confecção da cerâmica, o Raku consiste em uma queima de “baixa”, na qual ocorre, inicialmente, um aquecimento exponencial das peças até uma temperatura desejada (1000°C). Após um período de estabilidade, o ceramista retira as peças ainda incandescentes de dentro de seu forno e as joga em um recipiente contendo serragem e em seguida na água.. O choque térmico provocado age de forma a criar exemplares de coloração única, de baixa resistência, mas excelentes para decoração.

Antes da queima                                                   Após a queima

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TOKONAME

Não há dúvida de que a cerâmica de Tokoname é lendária. Um patrimônio cultural do Japão e um símbolo para ceramistas do mundo inteiro, a região consagra-se pela excelente qualidade de seus vasos, aliada à milenar tradição de seus artesãos. Permutando entre técnicas de torno e de molde, os ceramistas de Tokoname são verdadeiros monumentos da cultura nipônica.

O pilar da cerâmica tradicional da região japonesa reside, acima de tudo, na excelência de seus artesãos e na matéria-prima de incomparável qualidade. Por apresentarem uma tradição cultural muito mais extensa do que a experimentada pelos artistas de Bonsai no Ocidente, o caráter hereditário da cerâmica, em Tokoname, é muito mais fortalecido. Dessa forma, a argila recebe um tratamento que muito se assemelha às confecções de bebidas alcoólicas de qualidade: é guardada em recipientes especiais para que passe por um processo de maturação durante anos, décadas ou gerações.

A argila de Tokoname, portanto, torna-se extremamente maleável, o que garante, às peças cerâmicas, uma menor deformação. Além disso, as queimas, em sua maioria em fornos a lenha, são administradas a partir de técnicas construídas durante gerações de ceramistas. Todo o processo de confecção da cerâmica de Tokoname é, portanto, respaldado por séculos de tradição e aprimoramento. Entre os artistas que se aventuram com a cerâmica, os mestres de Tokoname são, sem dúvida, aqueles que mais próximos chegaram da perfeição.

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